O Carnaval está associado à religião cristã e à festa da carne (Carne vale= adeus à carne) que os cristãos celebravam antes da quarta feira de cinzas e o começo do jejum da Páscoa. Mas, na verdade, as tradições do Entrudo precedem o Carnaval e têm raízes milenares celtas que celebravam a passagem do inverno para a primavera. Razão pela qual, a maioria dos carnavais tradicionais encontram-se mais a norte de Portugal e no interior, onde a força da religião se fez sentir, mas não o suficiente para fazer desaparecer estes usos e costumes.
Vamos, então, conhecer alguns dos entrudos mais típicos e antigos de Portugal.

Entrudo de Melgaço
O “Entroido” (era assim que os habitantes designavam o Carnaval) é a altura do ano em que os Farrangalheiros saíam à rua, trajados a rigor: as mulheres vestiam o tradicional saiote castrejo tipicamente vermelho bordado e/ou decorado com cores garridas, as blusas e o lenço amarelo. O traje era composto pelo garruço, que é um chapéu de cartão decorado com fitas e enfeites garridos e que tem uma renda que esconde o rosto dos Farrangalheiros.
Entrudo Folhateiro – Montalegre
Na aldeia de Outeiro, em Montalegre, os fatos do entrudo são feitos com as folhas e restos do milho. Há desfile de fatos de folhatos, Queima do Entrudo e, no final, uma merenda-convívio com animação de rua.
Entrudo de Cabril – Montalegre
Vestidos a rigor com trajes improvisados com os materiais que se encontram em casa e na natureza, os caretos desfilam pelas ruas da freguesia acompanhados de tocadores de concertinas.
Entrudo Chocalheiro e os Caretos de Podence
Os Caretos de Podence são a única tradição do Entrudo de Portugal que está inscrita na Lista de Património Imaterial da Humanidade.
Durante o Carnaval, nas “sortidas à rua” os Caretos de Podence, percorrem as ruas da aldeia com a missão de chocalhar as mulheres. Os trajes dos caretos (uma das imagens de marca do nordeste transmontano) são feitos à mão e passados de geração em geração. Os fatos são preenchidos por fileiras de franjas de lã de ovelha (agora podem feitos de outros tecidos), coloridos, e feitos a partir de colchas “de casinha” (padrão típico transmontano). A utilização de cores atualmente mais comum é o amarelo, o verde e o vermelho, mas nos fatos mais antigos encontram-se também as cores azul, rosa e preto. A máscara é feita a partir de latas, por mestres. O traje só fica completo com duas bandoleiras de campainhas que cruzam na parte frontal do tronco e das costas, e por um conjunto de 4 a 8 chocalhos que são levados à cintura.
Máscaros de Vila Boa – Vinhais
Os “máscaros” de Vila Boa saem à rua com as “madamas” e “marafonos” e percorrem as ruas da aldeia para as suas habituais tropelias. O dia termina com a “galhofa” e um baile tradicional. Vinhais também tem os seus caretos que atuam geralmente em pequenos grupos dispersos por diferentes locais para “atormentarem” as moças solteiras ao som da música de gaita de foles.
A Morte e os Diabos – Vinhais
O Diabo e a Morte percorrem as ruas, capturam as raparigas que espreitam das varandas e colocam-nas num carro de bois, puxado por pessoas. Esta tradição, realizada na Quarta-feira de Cinzas, é uma das maiores atrações turísticas da região. O desfile tem início no Adro de São Francisco e termina junto à Igreja de Nossa Senhora da Assunção, onde a Morte é queimada. E quem ousar olhar para rosto da Morte, afastá-la-á por mais um ano.
Entrudo de Santulhão – Bragança
Antes do Julgamento realiza-se um cortejo onde os mascarados desfilam pelas ruas da aldeia acompanhados do Entrudo, um boneco antropomórfico feito a partir de uma estrutura de madeira coberta com roupas velhas cheio de palha, que será queimado. Em Santulhão, quer se esteja mascarado ou não, atira-se e leva-se com farinha (em tempos idos utilizavam-se as cinzas das lareiras).
O Julgamento do Entrudo (o ponto alto da festa) é um ato simbólico onde um ‘juiz’ lê os ofícios, fala sobre alguns temas da atualidade (com um cunho de sátira social). De seguida deitam-se os bonecos para o meio do largo onde são espancados, queimados e arrastados. Por fim, queima-se o Entrudo, pondo fim ao ritual.
Aqui, cada pessoa improvisa a sua máscara recorrendo a diversos materiais como a madeira, borracha, cabedal ou latão.
Entrudo Lagarteiro da aldeia de Vilar de Amargo – Figueira de Castelo Rodrigo
Saem à rua mulheres mascaradas de homens e homens de mulher, com rendas e máscaras de cortiça a esconder a face, para praticar “pantominices” uns aos outros. Neste Carnaval há também o caldo das viúvas, a marcha fúnebre pelas ruas da aldeia e a Queima do Entrudo.
Entrudo Lagarto da aldeia de Cardanha – Moncorvo
O nome “Entrudo Lagarto” está diretamente ligado a uma tradição que conta que os habitantes da Cardanha “são conhecidos na região por lagartos”. Esta tradição é caracterizada pelo uso de rendas brancas e lenços de mulher para os rapazes ocultarem a sua identidade. Mais recentemente, há também máscaras de latão pintadas com um desenho de um lagarto.
Existem ainda vários jogos e atividades típicas, como a “leitura das seixas do burro” (versos de escárnio de maldizer ditos com a ajuda de um funil grande, o embude, pelas ruas da aldeia onde se colocam a descoberto os segredos das pessoas), o “jogo do cântaro” (mascarados lançam o cântaro de mão em mão, tentando que este não caia. Enquanto houver cântaros de barro este jogo continua), a “queima do entrudo gigante” (queima de uma imagem gigante adornada com palha e uma máscara) e o “esconjuro do Diabo”.
Entrudo de Constantim
É um Entrudo espontâneo, não segue lei, ordem ou horário, em que os Entrudo “maus” percorrem Constantim em folia e a Queima do Janota ocorre ao anoitecer.
Caretos de Lazarim
As máscaras dos caretos e das senhorinhas, personagens masculinas e femininas do Entrudo de Lazarim, rivalizam com Podence sobre o título de Entrudo mais tradicional de Portugal.
Durante as festividades, a aldeia ganha vida com diversas atividades dedicadas à promoção dos caretos, incluindo encontros com artesãos e um desfile etnográfico sempre ao som vibrante dos bombos. Na tarde de Carnaval, as novas máscaras são exibidas pelas ruas, antecedendo a famosa guerra dos testamentos, um duelo ancestral marcado pela rivalidade entre sexos. As raparigas solteiras, conhecidas como comadres, apresentam o “testamento da burra”, uma sátira mordaz dirigida aos rapazes da aldeia. O texto, recheado de humor brejeiro e picante, é uma oportunidade única para expor, de forma divertida, críticas e verdades guardadas ao longo do ano. A resposta não tarda: os compadres retribuem com o “testamento do burro”, no qual um jovem bem-apessoado, responde com uma sátira igualmente afiada, desta vez direcionada às mulheres. Mais tarde, um compadre e uma comadre de palha são queimados numa cerimónia simbólica de purificação. Antes do encerramento das festividades, ocorre ainda um concurso de máscaras que premeia o talento dos artesãos locais.
A festa termina em convívio, com um banquete servido ao final da tarde. Para participar, basta adquirir uma tigela ou caneca e provar as iguarias preparadas em panelas de ferro. O caldo de farinha, típico da região, é feito com farinha de milho, couves e enchidos de porco, enquanto a feijoada de feijão branco é generosamente enriquecida com enchidos, entrecosto e orelha de porco. Tudo é acompanhado pelo vinho tinto da região, perfeito para aquecer o corpo nos frios dias de folia.
Caretos de Lagoa – Mira
Os caretos de Lagoa, em Mira, são foliões do sexo masculinos que se vestem com trajes femininos coloridos e usam máscaras de cartão decoradas com chifres e serpentinas. Ao pescoço, penduram chocalhos e guizos, que tilintam a cada movimento. Andam sempre em grupo e “atacam” as raparigas solteiras, com o objetivo de as assustar.
A tradicional campina, que cobre o rosto do careto, eleva-se no topo da cabeça, adornada com fitas coloridas e um par de cornos. Com um aspeto quase demoníaco, os caretos percorrem as ruas em bando, ocultando a sua identidade e criam um alvoroço de sons e gritos, com objetivo de espalhar a confusão e a diversão por onde passam.
Cardadores de Vale de Ílhavo
Os Cardadores devem o seu nome às cardas – placas de madeira com agulhas que retiram as impurezas da lã e ajudam a transformar este produto animal em fios, que depois são usados na produção têxtil.
Durante o corso carnavalesco, os Cardadores percorrem as ruas de Vale de Ílhavo “a roncar, a saltar e a cardar”. Contudo, as cardas tradicionais foram substituídas por outros objetos que não causam dano. Estes “cardam” as raparigas, repetindo o seguinte dito: “Ai tanta lã! Ai tanta lã!”
Diz a tradição que cada Cardador deve fazer a sua própria máscara e vestimenta. A máscara é feita com cortiça pintada de vermelho para os olhos, panos vermelhos para dar forma ao nariz, pelo de rabo de boi para o bigode, penas de galinha (ou de outra ave) para os penachos e paródias (nome dado às fitas de papel coloridas, curtas e estreitas) presas atrás da máscara. As vestimentas são compostas por pele de carneiro, roupa interior feminina (da namorada ou de uma rapariga amiga), meias até ao joelho, um lenço de Tricana, chocalhos presos à cintura e fitas largas e compridas do mesmo tecido das paródias, cosidas nas costas.
Este grupo de rapazes é liderado pelo solteiro que está há mais tempo no grupo, distinguindo-se dos demais por usar paródias mais vistosas e volumosas, chocalhos maiores e ainda um apito (considerado símbolo da liderança, usado para reunir todos os Cardadores). Houve tempos em que, para saírem à rua, precisavam de licença e eram perseguidos por atentado à moral pública, pois, além de utilizarem cardas verdadeiras, praticavam a desobediência e faziam muitas patifarias… Mas esses tempos já lá vão.
Aldeias de Xisto – Gois
Este entrudo é conhecido por usar máscaras feita a partir de cortiça, mas qualquer um utiliza os materiais que estão “mais à mão”. Para além dos mascarados há o bailarico ao som das concertinas, o Jogo do Pau, a Queima do Entrudo, o atelier de máscaras de cortiça e a declamação das quadras jocosas.
A Dança dos Cus em Cabanas de Viriato (Carregal do Sal)
Esta tradição remonta ao século XIX, quando um grupo de atores, entusiasmado pelos aplausos após uma apresentação no Teatro dos Bombeiros, decidiu levar a celebração para as ruas da vila. Assim nasceu a famosa “dança grande”, que mais tarde ficou conhecida como “Dança dos Cus”.
Nesta peculiar coreografia, os participantes desfilam pelas ruas a dançar, mas prontos para um momento inesperado: ao terceiro compasso da música, os pares, organizados em duas filas, viram-se para o centro e chocam os traseiros num movimento sincronizado. Ao som da valsa acompanhada pela presença animada dos cabeçudos.